Eu acho que o amadurecimento das crianças de antigamente se dava quando elas adentravam na adolescência. Era um momento especial porque começávamos a pensar e a analisar as coisas, de forma incipiente (ao dicionário, medalhudos), claro. E isso coincidia com a descoberta do pecado.
Era um susto ou espanto danado. Até então vivíamos num céu de brigadeiro, num mar tranquilo, só inocência e despreocupação. E, de repente, pimba!, alguém, sempre um mais velho, nos revelava a existência de um dragão da maldade: o pecado. Daí em diante qualquer iniciativa mais ousada e éramos repreendidos pela advertência severa: “Não faça isso, menino, que é pecado”. Mais: “Se você fizer de novo vai arder nos quintos do inferno”. Pronto: perdíamos muito da nossa criatividade, ingenuidade e, claro, prazer. O estigma do pecado colava na gente que nem muçum, não desgrudava, ficava fungando nos nossos cangotes.
Mas, mesmo assim, quando despertávamos para os pecados deliciosos, começávamos a enfrentar sem medo as retaliações, e então pecávamos a torto e a direito. Preferíamos, é óbvio, os pecados que nos deixavam felizes, mesmo que no mais recôndito do nosso ser, uma vozinha nos lembrase: “Você vai arder no quinto dos infernos”.
Tenho certeza que os da minha geração lembram-se dessa espécie de terrorismo psicológico que nos submetiam com a ameaça de que o pecado gerava castigos eternos. Havia o venial, este era liquidado com algumas ave-marias e meia dúzia de padres-nossos. Mas aqueles mais cabeludos, que aconteciam quando víamos as coxas e seios das moças e outras mulheres, fato que faziam com que nossas mãos criassem calos, era rotulado como pecado mortal. Sobre o venial, lembro que um amigo meu roubou uma manga na feira, foi descoberto, então depois de pagar as aves-marias e padres-nossos, o pai dele o obrigou a devolver uma manga ao feirante. Uma saia justa da gota serena.
No que diz respeito aos pecados cabeludos, estes quase ninguém os confessava, nem aos padres e nem aos pais. Ficavam na moita, em segredo de estado, apenas entre nós eles eram comentados, apenas havia zoada quando alguém era flagrado, aí pintava sujeira. Eu leva uma vantagem: como não era religioso, não me confessava, e no colégio quando o professor de religião, um padre, começava a falar em pecados e dizia que a masturbação endoidecia e fazia perder a memória, não raro, eu dormia, sabia que esse padre não tirava os olhos das moças. E mais tarde, hoje, todo mundo sabe quem era mais pecador, no caso de assédio a crianças e adolescentes. Então,amigos, atravessei essa época quase incólume ao medo do pecado.
Porém, depois de tanto tempo e de alguma experiência, confesso: tenho saudades dos tempos que descobri o pecado. Essa descoberta foi muito feliz. Mas, cá pra nós, apesar de ser meio herege, eu sentia um medinho dos castigos. De leve, mas sentia. Era um mistério que eu não dominava. Olha, toda vez que vou fazer algo importante eu me lembro do medo do pecado, aí peso as coisas, analiso, meço os prós e os contras. Para alguma coisa me serviu o medinho do pecado cabeludo. Mas anão me arrpendo dos meus pecados, eu repetiria todos novamente.
No mais, gosto muito de um verso de uma música de Chico Buarque de Holanda: “Não existe pecado do lado de baixo do Equador. Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor. Me deixa ser teu escravo, capacho, riacho de amor”. Gosto também doque disse Clarice Lispector: “O pecado me atrai, o que é proibido me fascina”. Lutero disse: “Todo pecado é um tipo de mentira”. E Jesus disparou: “Quem não tiver pecado atire a primeira pedra”. Hoje estou meio aposentado ds pecados. Acho que ninguém supera em pecado e aberrações o Vaticano, até o papa renunciou. Os nossos pecados em relação aos graúdos do Vaticano são coisa de crianças.
FONTE: http://blogdewilliamporto.zip.net/
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