terça-feira, 6 de novembro de 2012

‘Isso acontece há muito tempo’, diz policial sobre execuções em SP

Todos os dias, o policial civil Roberto* faz uma prece silenciosa para que ele e a sua família não se tornem as próximas vítimas da onda de violência que aflige o Estado de São Paulo. Desde o início do ano, pelo menos 90 policiais já perderam a vida. Desse total, apenas três estavam em serviço. "Eu não estou aguentando mais. Estou com um peso nos ombros, não vejo alternativas surtindo efeito, não vejo melhora. Não tenho com quem conversar, não temos acompanhamento psicológico. Se falar para a minha família, vou deixá-los ainda mais preocupados", desabafou o morador do litoral paulista.

Casado e pai de três filhos, Roberto tem mais de 25 anos de carreira, mas não esconde que a angústia e a insegurança têm o acompanhado nos últimos meses. "Agora, devido a ousadia e a crueldade dos ataques, e ao fato de vivermos em um Big Brother, tudo isso vazou, mas isso (as mortes de policiais) acontece há muito tempo. O governo sempre jogava para debaixo do tapete e colocava a moral do policial em xeque", criticou.

Roberto sabe muito bem as consequências de se tornar parte das estatísticas. Em 2006, perdeu um amigo policial nos ataques ocorridos em maio, quando 493 pessoas foram mortas, entre elas, pelo menos 43 agentes públicos. "Ele era uma pessoa íntegra, um policial exemplar. Até hoje a família dele não recebeu o seguro, porque ele estava de folga. Para o governo, o policial só é policial no horário de serviço", disse.

Na época, a maior parte dos atentados foi promovida pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). E novamente a facção criminosa estaria por trás da onda de violência. Na visão de Roberto, desta vez o PCC tem utilizado a tática de guerrilha, que usa artifícios como emboscadas, sabotagens e ataques com extrema mobilidade, ou ações não convencionais, para debilitar moral e psicologicamente o adversário e derrotá-lo, como os vietcongues fizeram contra os Estados Unidos na Guerra do Vietnã (na época, eles tiraram proveito de seu conhecimento na selva vietnamita e usaram túneis como arma-secreta para derrotar o poderio bélico norte-americano). "Da mesma forma, o PCC evita confrontos, aposta em fatos isolados, em atacar os policiais em seu horário de folga porque isso não faz o governo dar uma resposta imediata. E, assim, enfraquece a organização policial e causa pânico na população", analisou, salientando que o grupo está extremamente organizado.

O policial contou que há informações de que a facção quer se tornar realmente uma força política. "Eles já patrocinam políticos de partidos menores", afirmou. Segundo Roberto, há uma espécie de "assistência social" para as famílias dos presos que fazem parte da facção, fornecendo dinheiro e itens de necessidade aos parentes. Além disso, eles contam com o trabalho de advogados renomados e, recentemente, começaram a investir na "intelectualidade" do grupo. "Eles apostam em crianças e jovens inteligentes e dão educação a eles, para então torná-los advogados e até mesmo juízes". Dessa forma, o grupo garantiria influência no poder judiciário brasileiro. "A coisa é muito mais profunda do que se imagina", completou.

Onda de violência
Desde o início do ano, ao menos 90 policiais foram assassinados no Estado. Desse total, 18 eram aposentados e apenas três estavam em serviço. Além disso, o Estado continua a enfrentar um grande índice de violência. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, só na capital houve um crescimento de 102,82% no número de pessoas vítimas de homicídio no mês de setembro, em comparação ao mesmo período do ano passado. Em todo o Estado, a alta foi de 26,71% no mesmo período.


Preocupada com a onda de assassinatos em São Paulo, a presidente Dilma Rousseff telefonou na sexta-feira ao governador Geraldo Alckmin para oferecer apoio do governo federal ao Estado. Os termos da cooperação entre os palácios do Planalto e dos Bandeirantes serão acertados em reunião a ser realizada nessa semana. Pelo lado do governo federal, quem está destacado para cuidar do assunto é o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

*O nome foi trocado a pedido do entrevistado.



Terra

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